A palavra
Um poeta discursa
sua prosa
uma
g
o
t
a
de
palavra
esboça
um crânio numa
rosa
(Daniel Perico Graciano, O beijo do relâmpago)
Nesse primeiro poema foi usado o rítmo ternário ascendente ("um-po-é-ta-dis-cur-sa-sua-pro-sa...") que juntamente com os " Ss", predominantes em todo o corpo do pequeno texto, esboça sutilmente um "sentimento" de suavidade ao ser lido, como se a "gota de palavra" fosse uma petala da mesma "rosa" que se perde no vento do branco da página. Aqui o paradigma se projeta sobre o sintagma, ou seja, o similar se projeta sobre o contínuo, fazendo com que a ímagem idealiza se projete sobre a palavra, acarretando também, consequentemente, a sobreposição de uma gramática analógica em relação à uma gramática lógica.
A tipografia do texto também é estratégica, ela tem a função de suprir a ausência de pontuação, ou qualquer símbolo gramatical, provavelmente influenciado por poemas orientais, onde isso é muito usado, o poeta usa a tipografia para "desenhar o poema", quase pictograficamente. Os espaços em branco provocam inconscientemente no leitor as pausas, que seriam "seguidas" conforme a pontuação inexistente. O poema "A palavra" está presente no livro "O beijo do relâmpago" de Daniel Perico Graciano.
Distraídos
Ninguém viu
A lanterna chinesa
acesa nos olhos
do poeta.
(Nilton Viana, Procissão das lamparinas)
Já nesse segundo exemplo, o ritmo importa bem menos que a imagem, pois um compasso se mescla a outro, o que de maneira alguma o torna menos interessante. As tónicas aparecem na terceira, sexta e nona nos dois primeiros versos (ternário ascendente), libertando-se nos próximos versos para investir somente na metonímia. Predomina aqui tambem o eixo do paradigma sobre o eixo do sintagma, alguns acreditam que somente assim um poema é um poema, o que eu, particularmente, concordo. Uma cadeia de "N N" junto a vogais quase sempre surdas causa nos dois primeiros versos um efeito mais tranquilo, que é sustado repentimente por sons de "s": a lanterna nos olhos. o poema "distraídos" está no livro "Procissão das lamparinas" de Nilton Viana.
Deixo aqui, além desses dois belíssimos exemplares outros poemas contemporâneos de meu gosto.
ESTRABISMO (de Julio Machado)
Chega à beira do poço;
mede nele o intervalo
que vai de um olho a outro.
Mede nesse intervalo
o eixo torto que faz
do esquerdo, o direito.
Vê como esse esquerdo
reconhece sem medo
o que em Narciso é feio.
Repara no direito
a lágrima em coalho,
véu de leite tão velho.
Faz do suco da lágrima
a beleza que turva,
ledo, o engano da água.
Esquece então que és caolho:
Faz do intervalo um elo,
da água turva, um espelho.
AGENDA ( de Ana Cecília de Sousa Bastos)
Decididamente não me interessam as vãs soluções,
nem as posições corretas
— essas respostas que a gente busca na opinião
[ informada,
antes de conferir o próprio desejo;
nem os dados que o banco ou a polícia já guardam por ofício,
nem como envelhecemos igual
— por força não da idade, mas do hábito.
De todas as perguntas,
só quero reter a centelha.
Desejo saber a que horas do dia encontro no céu
[ este azul de agora.
Desejo saber a que horas da vida há este sorriso
[ nos olhos dos filhos.
Desejo saber quanto dura a paixão pela vida.
PRIMAVERA ( de Daniel Perico Graciano)
uma pétala de hidrogênio
beija o seio de uma ogiva
e o brilho de uma estrela
cavalga em carne viva.
NASCENTE ( de Mariana Botelho)
córrego
cachoeira
ribeirão
eu choro
pra pertencer à paisagem
AINDA LENÇÓIS ( de Djalma Filho)
Lençóis abaixo
Lençóis acima
Trocentas diversões
Meu traço risca teu
espaço em voz e direção
Meu corpo encurva
e te submete a mais
uma exploração...
Lençóis abaixo
Lençóis acima
Perco o diapasão
Há um afinar de
corpos pelo ouvido
Quero te ouvir sempre
em movimentos entônicos
de orgasmos
Lençóis abaixo
Lençóis acima
Caio de quatro
Percebo no ato o
penetrar manso
Estou alucinado
pelos movimentos sutis
de descobertas
Lençóis abaixo
e acima...
estou em ti...
como voraz os pés
da cama...
e a teus pés eu
declamo
harmonias loucas
perdidas e lúcidas
já sem lençóis,
sanidade
ou sensatez.
IRAQUE ( de Daniel Perico Graciano)
de tanto respirar
a imortalidade
uma borboleta
mergulha na clave
de fá
ELA E EU ( de Mauricio C. Marques)
Ela falava de Sonhos,
Eu sonhava.
Ela falava de lugares,
Eu viajava...
Ela falava de fé,
Eu acreditava. (abraçava)
Ela sabia tudo de anjos.
Eu sonhava.
Ela falava de lugares,
Eu viajava...
Ela falava de fé,
Eu acreditava. (abraçava)
Ela sabia tudo de anjos.
Eu acendia velas. (pro meu e pro dela)
Ela gostava de flores,
Eu cuidava do jardim.
Ela tinha ideais,
Eu corria atrás.
Ela era atriz,
E representava muito bem.
Ela era bailarina,
Eu, dancei.
Ela gostava de flores,
Eu cuidava do jardim.
Ela tinha ideais,
Eu corria atrás.
Ela era atriz,
E representava muito bem.
Ela era bailarina,
Eu, dancei.
Amigo, o seu blog é muito bom. Meus parabéns. Estive procurando blogs com tanta qualidade, e a poesia contemporânea me parece muito escondida. Parabéns pelo trabalho. Fique a vontadade para ver meu blog.
ResponderExcluirVamos manter contato, quero lhe mandar uma seleção de poesias minhas, caso você queira recebê-la e fazer uma análise.
http://pensassonhos.blogspot.com
Lindos poemas, perfeitas escolhas de poetas.
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